domingo, 14 de julho de 2019

|::| Dos porquês ocultos

Esse é um texto sem muito sentido que saiu como desabafo para mim mesmo. Resolvi compartilhar porque, afinal de contas, todo ser humano é, essencialmente, uma figura pública...

Há quase vinte anos comecei a ganhar consciência de um movimento interior que me puxava para uma direção diferente daquela imaginada desde cedo. Meus interesses "naturais", que outrora se resumiam a jogos eletrônicos, astronomia, biologia e números, expandiam-se a novas fronteiras – as tais ciências humanas. Na idade em que só parecia existir uma pergunta – que curso você fará na faculdade? – bruscamente migrei da dúvida entre alguma das engenharias, estatística ou ciências biológicas, para filosofia, psicologia ou ciências sociais. Aos dezoito anos – exatos dezoito anos atrás – finalmente decidi seguir na direção das Ciências Sociais.

Naquela mesma época, outra novidade: a escrita. Ao mesmo tempo em que eu descobria o prazer de aprender sozinho a construir páginas na relativamente jovem Internet, eu escrevia meus primeiros textos. De lá para cá, perdi as contas de quantos pequenos textos e contos, e de quantas crônicas e páginas para hospedá-las eu criei. Textos que sempre variaram entre aquilo que surge da minha surpresa com o mundo e aquilo que surge da minha surpresa com a pessoa que fui me tornando.

Não sei dizer se os anos me fizeram bem ou se me fizeram mal, mas certamente eles me fizeram – e eu fiz com eles – uma penca de coisas. E foram tantas as transformações, que a inocente presunção de que chegaria um momento da vida em que eu poderia dizer "esse sou eu" foi parecendo cada vez mais uma das maiores idiotices que já passaram pela minha mente. Cada dia que passa eu me sinto mais longe de conseguir dizer o que, ou quem, eu sou. E, obviamente, não sou o único a experimentar essa perceção de se tornar mais esquisito ao seu próprio entendimento à medida em que mais se conhece diferentes aspectos de si. 

Nesses anos eu me engajei em várias diferentes visões de mundo que, de alguma forma, momentaneamente, trouxeram alguma sensação de coerência. Porém, nenhuma resistiu à passagem do tempo. Nenhuma sobreviveu à minha passagem pelo tempo. E, junto com elas, também se esvaiu minha vontade de dizer qualquer coisa. Não é de agora que me sinto sem vontade de dizer o que penso, ou de comentar o que acontece aqui dentro ou lá fora. 

O mundo está um lugar bem estranho. Possivelmente sempre tenha sido e eu é que fui descobrindo aos poucos. Eu estou algo bem estranho. Gostaria de dizer muita coisa, mas tudo me parece pouco relevante. E tanta gente me parece estar muito pouco interessada em ouvir algo que não seja seu próprio amontoado de bobagens.

É, parece que estamos afogados nas nossas próprias bobagens. E eu gostaria de dizer algo a respeito. Eu gostaria de fazer algo a respeito da falta de espaço para aquelas conversas que geram reflexões.

Talvez, de todas as tantas visões de mundo, ainda guardo aquela que enxerga algum valor na reflexão. Talvez eu ainda faça algo a respeito, movido por algum porquê oculto. 

segunda-feira, 5 de março de 2018

|::| Das sociabilidades

Tiro os fones de ouvido para entender o que ele está falando.

- Você assistiu ao clássico de ontem? – ele repete olhando para mim pelo retrovisor.

Como se já não bastasse estar interrompendo meu momento de solidão voluntária, ele ainda se atreve a me perguntar algo de que não entendo.

- Clássico?

- O jogo. Para que time você torce?

Ah, certo. Ele está falando de futebol, que obviamente é o primeiro assunto que você deseja discutir numa segunda cedo indo para o trabalho.

- Corinthians – respondo, consciente de que eu posso ter acabado de colocar a minha vida em risco. Observo a expressão nos olhos dele e respiro aliviado. Talvez ele seja corintiano também. – Não assisti ao clássico ontem, não – completo, voltando a colocar os fones de ouvido e olhando para o celular, tentando encerrar o assunto.

Tiro os fones de ouvido novamente.

- Sou vascaíno. Meu pai é do Maranhão e a minha mãe de Brasília.

- Ah, legal – respondo, percebendo que não vou me livrar tão fácil dessa interação social inesperada.

- Já fui várias vezes para o Rio assistir a jogos do Vasco, mas nunca passeei por lá. Eu não gosto daquele lugar, as pessoas são estranhas.

Fico em silêncio, evitando dar corda a uma conversa que continua não fazendo sentido. Estranhas são as pessoas que deliberadamente puxam assunto com pessoas estranhas numa segunda pela manhã. Estranhas são as pessoas que apoiam o Bolsonaro justificando que ele é um exemplo de político cristão. Estranhas são as pessoas que não gostam de azeitona. Estranhas são as pessoas que preferem qualquer super-herói ao Superman.

- Uma das vezes que fui até lá – ele continuou, para meu desespero – entrei numa padaria que parecia bacana, pedi um café e, depois de esperar por mais de trinta minutos, decidi reclamar. Você acredita que o garçom disse que apressado assim eu só podia ser de São Paulo mesmo?

- Hum.

- Sim, e a vez em que fui para o Rio assistir a um jogo sem comprar ingressos antes? Tive que me desdobrar para conseguir entrar naquele estádio.

Enquanto ele conta uma história interminável sobre como fraudou o sistema para entrar no estádio, eu penso seriamente em voltar a acreditar num deus estilo Velho Testamento apenas para ter a esperança de um novo dilúvio. Se bem que um apocalipse zumbi seria bem melhor. Inclusive não entendo qual terá sido o sentido da minha existência se eu morrer sem ter presenciado o apocalipse zumbi. 

Esqueço que ele está falando comigo e coloco os fones novamente.

Tiro os fones de ouvido.

- Você já foi para a Argentina? Lá, sim, é um lugar organizado. Sabe por quê?

Decido ouvir o que virá a seguir. Porém, antes que ele continue, nós chegamos ao destino. Eu me despeço cordialmente e saio me dando conta de que talvez nunca descubra o porquê de a Argentina ser um lugar organizado para aquele estranho que me levou ao trabalho. 

Coloco os fones de ouvido novamente.

domingo, 4 de março de 2018

|::| Dos retornos

Faltando poucas semanas para eu completar meu quinto setênio vestindo este amontoado de pele - que realmente insiste em se amontoar formando aquilo que chamamos de rugas - ouvi o vento falando comigo, pedindo para eu voltar a escrever. 

(Certo, o vento não fala, mas a gente escuta mesmo assim).

Fato é que decidi retornar à vida de blogayra fitness digital influencer. Se bem que em dezembro de 2000, quando criei meu primeiro sítio na internet para depositar meus textos, esse termos nem existiam, então eu fui apenas o carinha meio nerd, meio merda, que escrevia umas coisinhas e gentilmente, com imenso altruísmo, disponibilizava para todo mundo ler, embora soubesse que apenas sua mãe realmente leria, enquanto alguns poucos amigos diriam que sim.

Após tantos anos, e várias dezenas de textos e postagens, talvez seja o momento de voltar de forma mais organizada e disciplinada, afinal, ter um melhor amigo de Virgem por tantos anos deve ter servido para alguma outra coisa também.

(Na verdade, se alguém realmente leu o blog inteiro sabe que este não é o primeiro "retorno").

Então, keep calm and I am back bitches!




sábado, 31 de dezembro de 2016

|::| Das mudanças

Faz um pouco mais de um ano que não posto nada no meu blog (sim, eu ainda tenho um). Talvez seja sintoma de algo. Talvez a consequência do ano tão fora do comum que está chegando ao fim. 

Relendo meu último texto eu percebi que, apesar de tudo, tenho muito pouco a acrescentar ao que eu escrevi um ano atrás (texto aqui). Continuo experimentando uma intensa transformação que, pelo jeito, tem a ver com a descoberta de que todo o amontoado de coisas que eu sou é, na verdade, muito pouco. E isso, de alguma forma, faz tudo ser bastante interessante.

Tenho a sensação de que o acúmulo de experiências pelo qual passo ao longo dos dias se desdobra inevitavelmente num exercício constante de abandono, uma espécie de "descascar a si mesmo". E faz parte desse processo reconhecer o valor de tudo o que passa pela minha vida.

Nunca senti a mudança acontecer de forma tão intensa e profunda como nesse ano. Agradeço fortemente a todos os que estiveram comigo em algum momento. Reconheço que fui especialmente mais difícil nos últimos 12 meses.

Do ano que termina eu carrego o sincero reconhecimento de que há coisas pelas quais eu posso apenas me limitar a dizer "sinto muito", sabendo que dentro de cada pessoa (dentro de mim, inclusive) existe a potencialidade de realizar sonhos e também pesadelos. Mas também carrego a crença de que todas as coisas, sonhos e pesadelos, mais cedo ou mais tarde, misturam-se enquanto experiências que nos levam adiante.

Ao ano que está chegando eu faço um convite para uma bela dança ao redor do sol comigo. Será MARAVILHOSO.

;)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

|::| Das transcendências

Acabo de entrar oficialmente em férias. Este foi, certamente, o ano de trabalho mais intenso da minha vida até hoje e o meu desafio agora é desacelerar, desconectar e me reconectar a outras possibilidades de vida. Fiz uma boa escolha de onde passar meus primeiros dias de férias. Aqui, afastado de tudo, acima das nuvens, sentindo o silêncio. Quando as nuvens passam, dá pra ver 3 cidades lá longe e, daqui, tudo realmente parece muito pequeno.


Esse exercício de afastamento e o efeito que isso provoca na nossa mente (e no nosso corpo) talvez seja uma das tantas transcendências possíveis. E transcender, pelo menos para mim, não é fácil. Exige um certo desprendimento. Exige desapego, pois sempre significa a transposição de alguma coisa que parecia fazer parte de você. Significa, talvez, uma transposição de si mesmo, um abandono de algo que parecia emoldurar seu corpo, como sua pele, mas que agora você vê que era apenas uma das muitas e variadas cascas com que vamos nos cobrindo ao longo das nossas experiências. E manter-se consciente desse processo e da realidade de que isso tudo vai acontecer inúmeras vezes traz alguma serenidade a respeito do futuro. E também uma certa conexão com o fluxo que faz da morte e da vida apenas dois momentos diferentes de como o universo é experimentado.

Boas férias para mim. Obrigado.

Ah, e vale uma propaganda aqui de onde estou... Estou na Pousada Rural, em Ipuiúna - MG. Recomendo bastante para quem quer descansar. É a segunda vez que venho para cá.


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

|::| Dos princípios que nunca são o começo

Cerca de 15 anos atrás eu estava descobrindo que escrever poderia ser algo interessante para mim. Após participar de um dos grupos vencedores de um prêmio nacional de literatura, de certa forma a vontade de escrever havia se instalado em mim. Foi quando criei meu primeiro "blog". Eu desconfio que naquela época o nome para esse tipo de coisa nem era esse. Mas eu fazia tudo o que conseguia através de uma plataforma gratuita de criação de páginas pessoais para entregar a melhor experiência possível aos poucos e muito desejados internautas que vez ou outra apareciam no meu humilde site. 

E de lá para cá metade da minha vida passou e sinto como se tivesse cada vez menos a dizer. E já nem é tão novidade aqui o quanto essa percepção tem crescido em mim ao longo dos últimos tempos. Acreditem, a vontade de escrever continua firme, mas a crença de que realmente haja algo a ser dito através do que eu escrevo é que se enfraqueceu. Sei que a minha mãe vai discordar (no cumprimento do seu papel tradicional de mãe ela costuma achar incrível qualquer coisa que eu diga), mas desconfio que tudo o que eu venha a escrever seja completamente dispensável. Ah, e sem contar que durante esses anos todos eu tenha me perdido nas revisões das nossas normas gramaticais e soe a quem tá chegando agora como outros soavam a mim quando eu topava com uma "pharmacia". Sim, reconheço que além de dispensável eu também esteja ficando cada vai mais ultrapassado. Mas confesso que isso me desperta uma certa admiração pelo tempo e pelos efeitos da sua passagem.

Novamente me vejo frente à constatação de que o tempo nos leva a reler constantemente as nossas experiências, dando a elas sentidos e interpretações inesperadas. Somos, talvez, uma incessante releitura de nós mesmos e tudo aquilo que experimentamos. Somos, de certa forma, uma invenção diária de algo que já existe, algo que é sempre novo embora nunca seja o início de algo. A novidade que eu sou agora é o fim da novidade que eu era imediatamente antes. Talvez porque cada pequena nova experiência que integramos à nossa consciência tenha o potencial de bagunçar e reordenar o pacote completo daquilo que chamamos de "eu". E a cada pequena reordenação vamos nos tornando, geralmente sem perceber, uma enorme novidade. 

Acho que há uma certa graça (ou beleza, se preferirem) nisso tudo. Esse negócio misterioso que é a vida vai se movimentando no tempo, criando seus espaços, ampliando suas possibilidades, destruindo e construindo, matando e fazendo nascer, levando-nos a desconfiar de que talvez o sentido de tudo seja o movimento. E sofremos quando tentamos barrar ou não aceitamos esse movimento, quando nos apegamos a qualquer coisa que não seja o próprio movimento.

Mas daí já tá ficando tarde e o sono está ficando grande demais para continuar divagando sobre o sentido da vida...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

|::| Daquilo que não somos

Há poucos dias do encerramento de mais um ano essa nossa invenção para empacotar as nossas experiências  tento colocar alguma ordem nos pensamentos que estão povoando a minha mente nos últimos dias. Tenho sentido uma vontade forte de reformular algumas crenças que já me definiram em anos anteriores. Uma delas é a de que a passagem do tempo estaria me conduzindo a ser aquilo que sou, como se meu ego estivesse sendo refinado, ou talvez transmutado em algo que já era em essência. Mas estou chegando ao fim deste ano com a sensação de que o tempo tem me levado a outra direção. Ou, talvez, a uma percepção mais clara do que seja essa tal "essência". 

Geralmente, quando eu pensava sobre a "essência", eu estava tentando compreender aquilo que é mais nuclear, individual e único. Acho interessante que eu esteja me sentindo cada vez mais distante dessa compreensão. O que me parece é que quanto mais tento me aproximar dessa essência mais me aproximo da percepção de uma ampla e poderosa conexão entre tudo o que existe. Vejo cada vez menos aquilo o que sou e mais aquilo o que os outros são em mim. Sendo assim, hoje eu definiria a minha individualidade como uma configuração aparentemente única de um amontado de contribuições que chegam a mim ininterruptamente. 

A percepção de que sou muito pouco (talvez nada) "eu" e muito "outros" é bastante impactante. Sou levado a ver que nenhuma conquista e nenhum mérito são realmente meus. E se sou um amontoado das contribuições dos outros, sou também inevitavelmente um amontoado de gratidões. Tenho, talvez, alguma responsabilidade em como configuro os outros em minha manifestação, mas não sei dizer com certeza se até mesmo essa configuração é feita por mim ou através de mim. 

Nesse fim de ano, o que eu tenho a dizer é que sou muito pouco eu e que estou em paz reconhecendo isso. Eu me sinto feliz em dizer que sou muito grato por tudo e por todos que se acumulam em mim, tornando a minha experiência tão imprevisível e multifacetada. 

E, por isso, e por tanto, eu posso resumir o que sinto desejo de dizer nesse fim de ano a um "muito obrigado".