quinta-feira, 7 de abril de 2011

|::| Da minha sombra

Olho para as minhas mãos, ainda molhadas. A torneira continua aberta, e o som da água descendo pelo ralo da pia completa a sensação de que minhas mãos, agora sim, estão limpas. Seco as minhas mãos e só então fecho a torneira, interrompendo o fluxo de água. Olho para a frente, para o espelho, e assustadoramente me encanto por me achar tão estranho. Tem momentos em que me acho muito estranho, muito outra pessoa.

Essa sombra que me acompanha e que me é tão nítida, quase palpável em alguns momentos, não raramente confunde a minha mente. Ela brinca comigo e me diz coisas sobre as quais eu nunca pensei. Implanta dúvidas e intrigas. Durante as noites, infla meus medos e diverte-se com minhas inseguranças. Ela ri de mim. Ela caçoa da minha fraqueza.

O que mais me intriga é que também é ela que me traz essa sensação forte de que sou nada mais, nada menos, do que um ser humano. Sou um animal, parte de um bando de animais que tenta aos poucos transcender sua animalidade, aparentemente sem notar que não há absolutamente nada a transcender. Há apenas o que se é e o que se pensa ser. E minha sombra tem se tornado mais forte, mais presente, conforme silencio a busca por transcendência e dou um passo atrás para entender essa sombra. Para entender o que sou.

Não é confortável ser cada vez mais consciente de tanta sombra, mas quando ouço que crianças são assassinadas por alguém carregando uma carta onde pede perdão a Deus e faz exigências quanto à pureza das mãos que tocarão o seu corpo após a sua morte, acho que tem valido a pena esse passo atrás. Vale a pena olharmos menos para fora e para o alto, e um pouco mais para baixo e para dentro.

terça-feira, 5 de abril de 2011

|::| Sobre tempos, comemorações e conexões

Semana passada foi meu aniversário, sabem? Aquela data em que alguns insistem em me tratar diferente, embora eu não entendesse bem o porquê. Afinal, para mim, a princípio, meu aniversário significava apenas o resultado direto do fato de que existe um ciclo de tempo a que chamamos "ano" e que se repete, por incrível que pareça, anualmente.

O interessante do tempo e dos efeitos de sua passagem sobre nossa percepção das coisas, é que eu tenho visto que há certo valor nas comemorações de datas, embora enquanto cientista social já estivesse mais do que claro na minha mente o papel dos ritos e das comemorações. Sim, tenho mudado de opinião e, neste ano, os abraços de pessoas estranhas e as mensagens que me enviaram nem me incomodaram. Na verdade, cheguei à conclusão de que para o próximo ano, quero muitas festas, presentes e pessoas me bajulando. Quererei pessoas dizendo que a minha participação no mundo é, de alguma forma, impactante.

O aniversário passou, me deparei com a realidade de que definitivamente estou na fase dos vinte e muitos anos e notei que minhas preocupações têm se alterado. Acredito que como reflexo do momento de vida, de uma certa estabilização em alguns aspectos, passo a sentir uma necessidade crescente de me transbordar para fora do meu pequeno mundo. Talvez meus 28 anos já sejam suficientes para que eu me arrisque a opinar mais... Afinal, venho reparando em tanta coisa que considero absurda acontecendo ao meu redor... Tem até deputado se referindo negativamente a parcelas grandes da população. E vejo que há pouca gente pensando sobre o quanto esse tipo de coisa impacta a nossa sociedade.

Enxergamos muito pouco a extensão dos efeitos que cada ação individual possui. Aprendemos a buscar nossos interesses pessoais, a escolher o que o "eu" quer comer, vestir, falar, experimentar, e nesse processo muito cheio de umbigocentrismo, aparentemente estamos menos ligados aos efeitos em massa dos comportamentos individuais.

Tenho estado particularmente chateado com a falta de sensibilidade e de uso da inteligência de algumas pessoas que possuem certa evidência social. Acredito que a inteligência é um recurso mental do qual todos somos dotados, mas aparentemente o uso que fazemos dele depende dos interesses de cada um.

Existe tanta diversidade no que diz respeito a comportamentos, pensamentos e estilo de vida, que fica muito difícil definir o que é um estilo de vida "humano". Mesmo se olharmos para um grupo pequeno, uma família, ou amigos, ainda assim encontraremos várias diferenças e particularidades. Embora haja grupos que compartilhem de fundamentos comuns, a forma como cada um se apropria dos elementos culturais e os frutos dessa absorção individualizada da cultura gera tantos estilos de vida possíveis quanto há pessoas no mundo. Mas, mesmo assim, há aqueles que insistem em agrupar as pessoas e condenar grupos inteiros devido ao seu "estilo de vida".

Bom, vamos usar um pouco a cabeça e pensar, a título de exemplificação. Na África há uma parcela grande da população infectada pelo vírus do HIV. Bom, então, se alguém não quiser ser HIV positivo, deve evitar ter um "estilo de vida africano"? Quando Durkheim escreveu o livro "o suicídio", ele constatou que a taxa de suicídios entre protestantes é a maior entre as religiões. Então, como uma das medidas para redução do suicídio devemos evitar o "estilo de vida protestante"? Não sei para vocês, mas para mim faz sentido que o estupro de mulheres é feito, geralmente..., por homens de orientação heterossexual. Isso quer dizer que o "estilo de vida heterossexual" leva ao estupro?

Depois desse exercício, vamos voltar ao tema do começo. Voltar ao fato de que estamos muito pouco atentos ao efeito que cada um tem sobre o todo. Considerando isso, qual o efeito que eu produzo cada vez que eu aceito, repasso e compactuo com declarações e dizeres completamente infundados, não pensados e irracionais como os citados acima? A todo instante há pessoas dizendo que os pobres são inferiores, ou que os negros são inferiores, ou que as mulheres são inferiores, ou que os evangélicos são inferiores, ou que os gays são inferiores, ou que os idosos são inferiores. E crueldades persistem porque há gente propagando falsos entendimentos do que é a vida humana. Há muita gente querendo fazer calar a voz rica e bonita da diversidade. Seria melhor se soubéssemos nos calar quando o que temos a dizer é uma completa babaquice.