quarta-feira, 5 de outubro de 2011

|::| Sobre a morte

Passamos a vida fazendo uma espécie de coleção de dúvidas e incertezas. Sabemos muito pouco sobre quem somos, sobre o que queremos e para onde queremos nos dirigir ao longo dos anos. Temos dificuldades para fazer escolhas, até as mais simples, como com que roupas sairemos vestidos de casa. Enquanto isso, existe uma certeza, possivelmente a única, que a maioria de nós esconde nos extratos mais profundos da mente: a morte.

É certo que teremos todos que lidar com a morte. É a certeza mais sólida que possuímos. Com exceção de alguns que talvez sejam abduzidos e outros que alcançarão a iluminação e transcenderão a realidade física, todos morrerão. E, embora cada diferente crença e esperança a respeito da morte produza comportamentos únicos diante dela, nem por isso ela deixa de ser uma certeza. Não importa se apenas um sono, ou um descanso, ou uma passagem. Não importa se ela é um ponto final ou uma vírgula. A morte é, inevitavelmente, a morte. E com ela todos lidaremos. Por ela todos passaremos.

Cada sociedade encontrou suas formas de lidar com o fim. Seja com crenças específicas ou seja com rituais dos mais variados, todos aprendem um conjunto de atitudes diante da morte. Mas nem por isso aprendemos a lidar com ela. Aparentemente, por trás de todos os rituais que a cercam, existe uma grande lacuna em termos de compreensão do impacto que poderia ter sobre a nossa vida.

Nesse intervalo entre o nascimento e a morte, cada um encontra um caminho único que leva de um ponto a outro. E, a respeito da morte, a verdade de que a reta é o caminho mais curto entre dois pontos é completamente descartada, afinal, queremos adiar ao máximo esse momento, e para isso, tentamos dar voltas e voltas, fingindo que realmente acreditamos que podemos adiar indefinidamente a morte. Não podemos. A realidade é que por mais que possamos agir de forma a diminuir a probabilidade de uma morte inesperada através de comportamentos e hábitos de vida mais seguros, a qualquer momento, em qualquer situação, estamos inevitavelmente expostos à possibilidade do fim.

No caminho que percorremos entre esses dois pontos, entre o nascimento e a morte, procuramos agir de forma a satisfazer as nossas vontades que, numa quantidade extraordinária de vezes, são completamente contraditórias com a inevitabilidade da morte. Qual o sentido de tudo isto se no final todos teremos o mesmo fim? Diante desse questionamento, há tantas respostas possíveis quanto há mentes diferentes. Entretanto, acredito que a maioria de nós chegará à percepção de que é necessário fazer valer a pena. Esse valer a pena pode ser criar algo, ou construir algo, deixar uma marca, deixar um legado, fazer história, criar valor, gerar prosperidade, gerar abundância, aumentar o conhecimento, diminuir a ignorância, e assim por diante. Cada ser humano pode encontrar, dentro de si, uma espécie de chamado, que se relaciona com seus valores mais fundamentais, para agir no sentido de fazer valer a pena.

Eu imagino como tudo isto pode ser se todos, e não apenas alguns, assumirem um compromisso com esse chamado interior. Mais pessoas estariam agindo para acabar com a fome. Muitos mais estariam comprometidos com o fim do preconceito e da violência. Muitos estariam trabalhando mais intensamente na busca pela cura de nossas doenças. Haveria um mundo onde cada um estaria sinceramente agindo em prol daquelas causas que sente como suas. O resultado da construção sólida de um ambiente mais justo, mais equilibrado, mais pacífico, seria a possibilidade de cada um de nós agir na realização daquilo que sente como o necessário para fazer com que seu trajeto entre o nascimento e a morte valha a pena.

sábado, 1 de outubro de 2011

|::| Das aleatoriedades significativas

Vamos vivendo os nossos dias, seguindo rotinas e realizando as atividades que escolhemos realizar e esquecemos como muito do que queremos controlar escapa completamente à nossa decisão consciente. Há vezes em que um passo a mais ou a menos, um minuto antes ou depois, para um lado ou para outro, muda muita coisa. Esse processo acontece a todo momento, pois a todo instante estamos escolhendo, vivendo, andando de um lado para o outro, encontrando e conhecendo pessoas. Mas, nem por isso nossa atenção é chamada para esse processo, pois na maioria das vezes, sentimos muito pouco que estamos presenciando algo com poder de influenciar ou até mudar radicalmente os caminhos em que estávamos andando. Entretanto, existe uma minoria de acontecimentos que carregam em si algum conteúdo especial inexplicável a que, não por acaso, damos o nome de “acaso”. Jogamos a responsabilidade de encontros inesperados e acontecimentos imprevistos ao acaso. Alguns até diriam que esses acasos na verdade são fruto da ação de forças invisíveis superiores. Quem sou eu pra confirmar ou duvidar?


Desconfio que o acaso seja um tanto brincalhão, e gosta de nos colocar à prova, de nos desafiar e de nos levar a repensar tudo aquilo que temos como totalmente certo em nossa vida. Ele faz ironias, prega peças e se diverte com as nossas confusões. Ele se diverte vendo que somos, no fim das contas, sempre muito frágeis, muito pouco decididos e muito pouco estáveis. Estamos sempre mudando, a cada passo que damos. Sempre alterando nossa rota, nossas escolhas, pouco a pouco, de forma quase imperceptível. E, freqüentemente, quase não enxergamos quando estamos rumando a possibilidades completamente inusitadas.


Sinto como se eu vivesse num jogo, controlado pelo acaso, em que a cada rodada novos dados são jogados, novas cartas são colocadas sobre a mesa, e preciso repensar minhas escolhas, reprogramar meus caminhos e, para atender às novidades, como que me refazer. Eu me surpreendo com as mudanças. Eu me surpreendo ao ver que pensamentos se alteram, sentimentos mudam de intensidade e julgamentos novos são realizados a partir de perspectivas que me parecem muito mais abrangentes. Nesse processo eu me sinto cada vez mais integrado ao conjunto de potencialidades que marcam a minha existência, embora, com freqüência desconcertante, eu me sinta confuso e sem saber que elementos e variáveis considerar na hora de escolher aquilo que eu já sinto que quero escolher. Talvez tudo seja parte das brincadeiras desse estranho acaso, que ri de como nos forçamos tanto para não querer o que queremos e não escolher aquilo que tememos não nos dar segurança. Ele ri porque sabe que a qualquer momento poderá nos chacoalhar novamente e mudar todas as regras do jogo, e fazer com que o certo pareça incerto e o seguro pareça inseguro.


De tudo isso, acho que tiro um questionamento importante, embora ainda não respondido: devo estar ansioso a respeito do futuro quando sei que poderia estar me deixando levar por essa brincadeira toda que o acaso cria? E quanto devo adiar aceitar a brincadeira sabendo que, a qualquer momento, qualquer um de nós pode enfrentar a maior (talvez a única) de todas as certezas que temos ao nascer, que é o fim da brincadeira?

domingo, 25 de setembro de 2011

|::| Da dificuldade de se escrever com outras cores

Acho que se pararmos diante de qualquer grupinho de pessoas conversando, veremos alguém se lamentando de como sua vida traz, repetidamente, as mesmas decepções e experiências não desejadas. Sabem aquele tipo que sempre teve chefes detestáveis, ou sempre teve as mesmas decepções em sua vida amorosa, ou sempre conhece o mesmo tipo de gente? Pois é, o engraçado é que há bilhões de seres humanos, infinitas situações e possibilidades de vida e ainda conseguimos, aparentemente, repetir experiências.

E daí, quando olho lá para trás, para a infância mesmo, quando os desenhos que eu pintava eram multicoloridos, e havia orgulho em ter uma caixa de lápis com centenas de cores, fico pensando nessa coisa doida de repetirmos experiências. Vejo que com o tempo eu mesmo fui escolhendo cores e aprendendo que a grama deve ser pintada de verde e o céu de azul. O que é diferente disso é errado, pois não se encaixa na forma como organizamos o mundo. Quanto a isso, alguns podem argumentar que é uma espécie de mal necessário, considerando que compartilhar de sistemas de classificação similares facilita a convivência e a vida em sociedade. Sim, facilita mesmo e não vejo problema algum nisso, exceto quando nesse processo de encaixe, em que somos "formados" de acordo com moldes pré-existentes, jogamos fora as outras cores. Desaprendemos como pintar a nossa vida com cores diferentes.

Cada um de nós carrega uma mente ensinável, que pode moldar e treinar conforme vive. Essa é uma verdade absolutamente incrível que, ao ser aceita e usada, pode provocar verdadeiras revoluções em nossa vida ao longo do tempo. Cada vez que repetimos ações e que reforçamos pensamentos, estamos pouco a pouco construindo os padrões de comportamento uma espécie de piloto automático para a nossa vida. Só que frequentemente esquecemos que se podemos criar, também podemos destruir, criar novos, alterar e assim por diante. No início, é apenas uma cor que nos parece fazer mais sentido na escrita de um episódio específico, mas com o tempo, o ambiente muda, a situação muda, o contexto muda e continuamos escrevendo com a mesma cor. E mais para frente, quase sempre, encontramo-nos reclamando daquilo que experimentamos na nossa vida, pouco cientes do trajeto que percorremos e da nossa responsabilidade na escrita da nossa história.

Não acho que em algum momento as mudanças serão mais fáceis. Escolher novas cores sempre produz momentos de desconforto. Estamos habituados a usar as mesmas cores na hora de pintar as nossas escolhas e sempre acharemos que estamos errando ao mudarmos. Isso se conseguirmos iniciar o processo de escolha de novas cores, porque o que acontece com mais frequência é nem pensarmos nessa possibilidade. Em alguns momentos, até veremos que algo está diferente, que a situação é nova e que há uma nova cor disponível, mas e a coragem para a mudança? Afinal, temos sempre a sensação de que já tentamos viver algo novo e mudar de vida, e sempre chegamos à conclusão descrente de que não há nada a fazer, pois as coisas são como são. Mas será que realmente estivemos alguma vez abertos à mudança? Ou estivemos sempre escrevendo e reescrevendo usando lápis das mesmas cores?

Há uma grande beleza em perceber que nenhuma cor precisa ser descartada, e que todas aquelas centenas de cores da infância sempre estiveram disponíveis a nós. Diante de cada nova situação, o que nos impede de procurar alternar ou adicionar cores que não estávamos usando anteriormente? O que nos impede de bagunçarmos os lápis e tentarmos escrever nossas histórias usando cores novas e variadas? O que nos impede é, simplesmente, o medo de correr o risco de nada mudar. E se o preço que pagaremos pela possibilidade de vermos que é possível viver o que realmente sonhamos é correr o risco de mantermos a vida que temos agora, então penso que vale a pena. Sim, vejo que vale bastante a pena.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

|::| Sobre a dor

E então nós vamos coletando experiências, presenciando acontecimentos, vivendo os nossos dias, e desfilando a nossa capacidade de sentir. Ao longo disso tudo, vamos transitando entre emoções e sentimentos. Hoje, partindo de tudo o que eu já vivi – e estou consciente de que é bem pouco – eu acredito que somos muito pouco lineares na forma como sentimos a vida. Em instantes viajamos por emoções opostas e contraditórias. A tristeza e a alegria, o amor e o ódio, a confiança e a insegurança, são opostos entre os quais oscilamos continuamente.

A nossa pequena consciência da interação complexa que se processa a todo momento entre nosso "mundo interior" e a leitura que fazemos do "mundo exterior", leva-nos a uma grande vulnerabilidade frente às sacudidas que as nossas emoções nos dão. Segundo a segundo estamos trabalhando as informações que captamos por todos os nossos sentidos e realizando agrupamentos, julgamentos e interpretações. Não acredito que haja qualquer experiência que fique gravada em nossa mente sem estar conectada a uma série de outras informações e experiências e sem que faça parte de uma rede de significados. O interessante é que essa nossa capacidade de processar, agrupar e julgar as coisas se desenrola automaticamente. Querendo ou não, tudo a que nos expusermos será encaixado e gravado em algum lugar de nossas memórias. Resta-nos entender em que medida podemos trabalhar as informações de forma a servirmos a escolhas conscientes.

Somos expostos a uma série de escolhas, às quais só estamos sensíveis à medida em que enxergamos as possibilidades que estão diante de nós. Ao experimentarmos tantas emoções e sentimentos diferentes ficamos conscientes de que podemos fazer algumas escolhas que nos levam a experimentar mais ou menos algumas emoções. Perceber isso traz, na minha opinião, alguns benefícios. Um deles é, para usar um linguajar bacana, o gerenciamento da dor. E por "dor" não estou me referindo à sensação física, mas a uma realidade psíquica, ao sofrimento emocional.

Não sei dizer o quanto cada um é mais ou menos tolerante ao sofrimento e à dor, mas a consciência de que temos a capacidade de reinterpretar acontecimentos talvez seja um caminho para gerenciarmos, mesmo que minimamente, a dor e o sofrimento. Quem sabe se cultivarmos essa capacidade possamos passar com mais leveza e equilíbrio pelos tantos momentos de decepção, frustração e dor que passaremos ao longo da vida?



quinta-feira, 15 de setembro de 2011

|::| Deste quebra-cabeças

Às vezes me sinto montando um quebra-cabeças com a minha vida. Procurando pelas peças que faltam, pelas peças que se encaixam e por aquelas que irão completar blocos de sentido, formando um todo integrado, coerente, inteligível.

De vez em quando, passo meu tempo a procurar peças que se encaixem umas nas outras. Esses são os momentos em que quero dar sentido ao que experimento ao longo dos dias. Procuro partes de mim que juntas podem me trazer um pouco mais de tranquilidade, de serenidade. Na maioria das vezes, não encontro tantas quanto gostaria e passo ao drama de forçar o encaixe e de me fazer acreditar que as coisas estão de acordo com o que quero. No fim, a sensação é de que estou trapaceando no jogo de montar quebra-cabeças, tentando distorcer as peças a ponto de fazer com que peças se encaixem onde não deveriam se encaixar. E às vezes, por incrível que pareça, faço isso muito bem.

O trabalho de dar novo significado às experiências, histórias e fatos do dia a dia, que talvez seja realmente trapacear, alterando o formato das peças, não deixa de ser necessário. Afinal, creio que não seja apenas eu a colecionar episódios desagradáveis, que a princípio gostaria de esquecer, mas que não sendo esquecidos, são alterados, digeridos e vomitados num outro formato, tomando também sua parte, junto a outras pecinhas, na construção de mim mesmo.

Algumas vezes, peças que pareciam estar encaixadas, como que por mágica, tornam-se completamente desencaixadas e por mais que eu tente devolvê-las à sua posição original, não consigo e acabam no amontoado de peças com que lidarei depois. Nesse amontoado estão as peças abandonadas, ou por não fazerem mais sentido no todo, ou por nunca terem realmente feito sentido, ou porque ainda não sei onde colocá-las.

Há vezes em que sonho que nessa de montar meu quebra-cabeças, vejo peças novas surgindo. Nunca param de surgir. Peças vão se acumulando ao meu redor. Algumas delas tomam o lugar de peças que já estavam encaixadas e há outras que ao surgirem perturbam o encaixe de todas as outras peças, obrigando-me a começar a montar tudo de novo. Os sentidos, os significados, as histórias, os julgamentos, tudo, tudo precisa ser refeito.

Eu sei que poderia escolher ficar apenas com o pedaço que já foi montado, mas quando olho para os lados e vejo tantas outras peças ainda soltas, dispersas ou amontoadas, fico incomodado e curioso para descobrir que imagens e experiências elas compõem, e a que vida serei apresentado no momento em que as novas peças forem encaixadas. Mais de uma vez me vejo tendo que abandonar um pedaço e começar do zero um outro, com novas peças e novos encaixes.

Não posso reclamar. Gosto do que vejo e gosto de me ver diante de tantas peças, cada uma delas carregando em si a possibilidade de fazer com que o quebra-cabeças da minha história seja mais interessante, mais rico, mais cheio de vida. Já não acredito que um dia terminarei esse trabalho, mas, de certa forma, isso é tranquilizador.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

|::| Do transporte coletivo

Eu sempre disse que usar o transporte público é uma experiência antropológica riquíssima, mas hoje irei um pouco além e direi que usar o transporte público é uma experiência transcendental, um pré-requisito para a iluminação e uma etapa crucial para o entendimento de tudo o que há e mais um pouco. Alcancei essa compreensão enquanto eu me misturava ao TODO nesta manhã.


Acordei feliz, ao som de passarinhos cantando e as folhas das árvores balançando lá fora, movidas por uma brisa suave que carregava aromas restauradores da natureza. (Aham, senta lá, Cláudia). Na verdade, acordei ao som de sirenes de ambulância e buzinas, sentindo meu nariz coçar devido ao ar poluído de São Paulo. Saí de casa e me dirigi à estação de metrô mais próxima.


Cheguei à plataforma e, como de costume, a aglomeração estava grande. Após vários minutos parado no meio da multidão, sentindo-me parte de algo mais, algo maior, fenômeno tão bem explicado por Durkheim, fui sendo pouco a pouco levado para mais perto de conseguir entrar no vagão. Até que finalmente fui introduzido no metrô, carregado pela massa. Não que eu não quisesse entrar no vagão, e na verdade, esse era o meu objetivo, é claro, mas fazê-lo de forma tão... suave, fez com que a minha felicidade se intensificasse sobremaneira. A sensação de ser levado, como que flutuando, seria excelente caso não fosse acompanhada de forte sufoco, provocado não apenas pelo aperto, mas por aqueles inúmeros odores tão interessantes da manhã.


E sempre tem alguém mais..., como posso dizer..., comunicativo, que gosta de interagir e que cria diálogos inesquecíveis por sua objetividade simpática, abordando as pessoas à sua volta:


- Amigo, sabe aquele arroz que você comeu ontem no jantar, bem refogado, carregado de alho e cebola?

- Sei.

- Gostoso, né?

- Sim. Muito.

- Então, fica ainda mais gostoso se agora você fechar os olhos, pensar no arroz e segurar a sua respiração!


- Senhora, posso fazer uma pergunta?

- Sim, meu filho.

- Que perfume é esse que está usando?

- Ah, nenhum. Só o desodorante mesmo.

- Percebi.

- Que era meu desodorante?

- Sim, percebi tão bem que até detectei a data de validade dele.

- Ahn?

- Sabia que desodorantes vencem?


Os odores seriam os protagonistas do espetacular ato de usar o transporte público, caso não houvesse algo muito superior: a comprovação de que – pasmem! – SIM, é possível dois corpos ocuparem o mesmo espaço! Incrível, né? Séculos de mentes brilhantes debruçadas sobre os mistérios da física e em instantes todas as suas teorias são jogadas por terra...


O interessante é que em meio a tudo isso, descobri que posso atingir estágios superiores de percepção da realidade. Tudo é, mesmo, uma questão de perspectiva. Posso fechar os olhos ver que estou numa balada, gastando apenas poucos reais. Posso ser uma estrela do rock, recebendo o carinho de centenas de fãs enlouquecidos tentando me abraçar. Posso ser cobaia de uma experiência científica altamente avançada que fará com que o conhecimento e as capacidades de todas aquelas pessoas passem para mim.


E enquanto distorço a realidade, chego ao meu destino, saio do trem, e me dirijo ao prédio em que trabalho, preparado para pegar um elevador. Lotado!

domingo, 11 de setembro de 2011

|::| Dos tantos rascunhos

Segura o celular com a mão esquerda enquanto o movimento lento e indeciso da direita revela sua ansiedade. Ele experimenta seu momento mais ambíguo, vendo diante de si uma série de possibilidades às quais estivera, por tanto tempo, cego. Desta vez não se trata apenas de seguir um caminho ou não, mas de escolher como e em que momento chegar aonde quer. Como de costume, é movido por seu defeito mais persistente e perigoso: tentar com todas as suas forças ser o que julga dever ser, mesmo acreditando que está longe daquilo que acredita ser seu caminho.

Aguarda um pouco mais, pensando que talvez o aparelho toque antes, tirando dele a responsabilidade por suas escolhas. Verifica, mais uma vez, se recebeu algo, uma mensagem, um recado. Nada. Sem mensagens, sem recados na caixa postal. Sem ligações perdidas. Apenas um amontoado de rascunhos. De tentativas. De escolhas abortadas.

Não sabe que cada vez que não escolhe, está, ainda assim, fazendo uma escolha. E vai afastando de si, pouco a pouco, com uma certa elegância dolorosa, a possibilidade de descobrir que está todo errado. E como ele saberia disso se tudo o que vê é uma história cheia de expectativas frustradas? Talvez o segredo seja aceitar que há nada a esperar, embora espere e queira muito.

Enxerga bem as regras, mas não entende que quem as criou pode mudá-las, a qualquer momento, alterando a ordem das coisas e o sentido dos caminhos. A ele cabe apenas a responsabilidade por seus atos, nada mais, nada menos. Nunca poderá ser culpado pelas escolhas dos outros, embora eventualmente, talvez sem perceber, assuma esse peso como forma de evitar uma nova frustração.

Há limites para as tentativas que se faz ao longo de tantos anos na busca por calar o som desse vazio que ele sente tão bem? Existe alguma regra que defina até onde se deva ir na busca da realização daquilo que se é?

Talvez haja a sensação de que nada, nunca, tenha sido algo mais do que um rascunho, do que um projeto frustrado. Mas o que possivelmente não esteja claro é que em algum momento, perdido entre tantos rascunhos, possa surgir o início do desenho da vida com que ele sonhou.

O celular toca. Ele sabe como atender?


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

|::| Do começo da história

Sabendo que alguma coisa mudara, ele fecha a porta atrás de si e acende as luzes da sala. Observa aquele silêncio. A solidão. O vazio. Seu sofá, sua televisão, seu videogame. Seus objetos, seus livros. Tudo, sem exceção, um amontoado de pequenas coisas que compõem seu lar. Mas hoje, ele não sente como se ali fosse realmente seu lar. Sente-se estranho. Sente-se fora de contexto. Sente-se fora de si.

Fecha seus olhos e se transporta a horas antes. Tudo ainda está tão nítido em sua memória que ele é capaz de sentir o cheiro, o gosto, o calor e a textura. Horas antes ele sabia bem o que queria e para onde estava indo. Agora, ele é apenas capaz de pensar naquele beijo. Não vê nada diante dele, exceto um desejo inexplicável, com o qual ele ainda luta para se manter sob controle.

Esforça-se para manter-se no chão. Para manter-se nele mesmo. Mas já é tarde. Logo será dia novamente, e ele verá que há nada a fazer. Ele já não é dele. Ele já não é mais só ele. Algo de milagroso e surpreendente aconteceu durante aquele beijo. Sua lógica e raciocínio são incapazes de lhe dar explicações satisfatórias. Ele sabe o que quer, mas não entende o porquê de seu desejo.

Ele ainda não sabe que está apaixonado. Mas com o tempo, vai descobrir.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

|::| Do fim das férias

Se há algo que pode irritar uma criança, tirar seu sono e fazer com que ela deseje a morte a facadas, é passar por aquele momento de extrema e insana tortura pré-férias em que sua professora diz – Vou passar uma tarefa para as férias de vocês! – A desgraçada ainda faz caras de felicidade. Obviamente, é uma dominadora sadomasoquista enrustida, sanguinária entre quatro paredes. Esse realmente é um momento de terror.


Mas, quando crianças, mal sabemos que haverá algo muito pior do que as tarefas para as férias. Na idade adulta, precisaremos passar pelo retorno das férias de trabalho. Sim, isso sim é o fim dos tempos. Isso sim cria desejos profundos por harakiris, ou por enforcamentos, ou por asfixiamento, ou qualquer morte ritualística capaz de demonstrar, simbolicamente, o horror da situação vivida.


Precisamos ler milhares de e-mails, lembrar de onde paramos nas atividades que realizávamos antes das férias e nos atualizar quanto às fofocas sobre as dinâmicas recentes do poder dentro da empresa (quem demitiu quem, quem puxou o tapete de quem, quem foi promovido, quem xingou o chefe, etc, etc). Tudo isso, óbvio, além de trabalhar, pelo menos alguns dias, por dois ou três, pois é claro que o mundo não parou durante as nossas férias. Pelo contrário, nesse período, muito provavelmente, as maiores bombas estouraram, houve mudanças na estrutura da empresa, produtos foram lançados, pessoas foram demitidas, pessoas foram contratadas, enfim, o retorno é sempre caótico.


Sabem aquele negócio de “vou correr para deixar tudo organizado pois vou sair de férias”? Então, que bonito isso, não é? Durante suas férias, o mundo encarregar-se-á de produzir uma das forças mais bonitinhas e agradáveis do universo: o CAOS. Durante dias lutaremos em vão para tornar todas as coisas ao estado desejado de equilíbrio pré-férias e descobriremos, um ano depois, que as coisas só nos parecerão em ordem novamente quando estivermos diante de nossas próximas férias.


É óbvio que se esse processo continua se repetindo, é porque de alguma forma ele funciona e cumpre algum papel. O caos é, afinal, em certa medida, produtivo. Nada como vermos tudo bagunçado para nos animarmos a refazer, recriar e reorganizar coisas. E nesse processo, quem sabe não saiamos para as próximas férias um tanto mais satisfeitos do que saímos para as últimas? No pior dos cenários, não teremos férias nunca mais e não precisaremos lidar com tanto caos...

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

|::| Dos Enganos

Então eu decidi vir postar um texto que escrevi há alguns dias, sobre meu retorno ao trabalho, após duas semanas de férias, e vi que há quase três meses eu não posto nada. Nada, entendem? Iniciei o ano imaginando que seria o ano das postagens. Achei que ia escrever pelo menos um texto por semana... e vejam só o que aconteceu. Quase nada.

Obviamente que isso me fez pensar sobre como nos enganamos, né? E pior, nós nos enganamos de forma totalmente inocente. Eu realmente acreditei que seria um ano diferente dos anteriores. Um ano em que eu me engajaria a expor mais a minha opinião sobre tanta coisa tenebrosa que a gente vê por aí (e por aqui). Como vêem, não tem acontecido exatamente como o planejado. Pelo menos não até o momento. Mas como sou brasileiro e não desisto nunca (bla, bla, bla), ainda acredito que será o ano em que mais textos serão postados neste humilde, muito humilde, blog.

Voltando ao assunto, é interessante ver como nós nos enganamos. Fazemos planos mirabolantes que desafiam os nossos hábitos. Como se fosse fácil alterar num abrir e fechar de olhos comportamentos e caminhos seguidos ao longo de anos. Talvez esteja aí um de nossos maiores e mais frequentes enganos: a crença na rápida mudança de nossos hábitos. Se eu nunca consegui ser tão engajado neste blog quanto eu gostaria, o que faria isso mudar apenas porque 2010 se transformou em 2011?

Não sei bem porque não postei nada ao longo desses meses. Cheguei a começar muitos textos, mas nenhum me agradou ao ponto de aparecer por aqui. E quando me refiro a "agradar", estou apenas me referindo àqueles textos que fazem sentido para mim e que me dão uma sensação de encaixe, quer sejam bons, quer sejam ruins.

Tive vontade de escrever sobre tanta coisa. Eu me revoltei com tanta coisa. Tem tanta coisa estranha acontecendo... Tem gente dizendo que o mundo vai acabar, pra variar... Tem gente marchando por tudo quanto se possa imaginar. Aliás, há marcha para tudo hoje em dia, não é? Até para o que é completamente fora de contexto marchar. Mas isso é tema para algum outro post. Neste aqui eu só quis falar dessa minha surpresa ao ver que tenho andado tão descuidado com este blog...

Segue, logo mais, um textinho novo...

domingo, 29 de maio de 2011

|::| Das atribuições de significado

Diante da percepção da passagem do tempo, é impossível vez ou outra não me perguntar sobre o valor que atribuo a tudo o que faz parte da minha vida. O amontoado de escolhas feitas e seus frutos estão aqui, cercando-me, envolvendo-me, lembrando-me da história que me conto diariamente. A história que escrevo ininterruptamente de acordo com aquilo que acredito - ou aquilo a que me induzo acreditar - ser o que devo fazer.

Valores, crenças, princípios, visões e conceitos, todos se misturando e pavimentando o caminho que se estende à minha frente. Todos formando algo muito difícil de entender: eu mesmo. E volta e meia fazendo com que eu torne a falar disso tudo. Torne a falar de mim e desse emaranhado de escolhas.

Seguir por um caminho em que há muito pouca certeza nunca deve ter sido fácil e, portanto, não me martirizo pelas tantas dúvidas e questionamentos que às vezes me atormentam. Estou, sim, caminhando no escuro, acreditando que o que me aguarda mais à frente é a realização dos meus sonhos, mesmo que estes sejam tão frágeis quanto balões de ar sendo levados pelo vento em meio a um terreno coberto por cactus.

Tão frágil quanto um balão de ar voando entre espinhos, no escuro: é assim que me sinto. Reconheço que não há qualquer garantia de que o vento será benevolente comigo. Sei bem que a qualquer momento, posso desfazer-me em pedaços. E nada disso faz de mim algo mais ou algo menos do que qualquer um que tenha caminhado sobre o chão da terra.

Ser capaz de enganar-se é uma dádiva quando a realidade é, de verdade, um amontoado de bobagens às quais eu mesmo aleatoriamente dou valor? O risco de a qualquer momento eu me ver enganado pela crença que deposito em tudo o que me cerca constantemente é revelado nas sutis e insignificantes mentiras a que me exponho. E, mesmo assim, tenho optado por seguir aquilo o que sinto ser o melhor, sem saber se o melhor é, também, uma frágil criação minha.

Continuo andando sobre a corda bamba, sem saber se é melhor a tranquilidade duvidosa da ignorância ou a agitação das dúvidas que acompanham a verdade ou algum meio termo sobre o qual ainda sei quase nada...

quinta-feira, 7 de abril de 2011

|::| Da minha sombra

Olho para as minhas mãos, ainda molhadas. A torneira continua aberta, e o som da água descendo pelo ralo da pia completa a sensação de que minhas mãos, agora sim, estão limpas. Seco as minhas mãos e só então fecho a torneira, interrompendo o fluxo de água. Olho para a frente, para o espelho, e assustadoramente me encanto por me achar tão estranho. Tem momentos em que me acho muito estranho, muito outra pessoa.

Essa sombra que me acompanha e que me é tão nítida, quase palpável em alguns momentos, não raramente confunde a minha mente. Ela brinca comigo e me diz coisas sobre as quais eu nunca pensei. Implanta dúvidas e intrigas. Durante as noites, infla meus medos e diverte-se com minhas inseguranças. Ela ri de mim. Ela caçoa da minha fraqueza.

O que mais me intriga é que também é ela que me traz essa sensação forte de que sou nada mais, nada menos, do que um ser humano. Sou um animal, parte de um bando de animais que tenta aos poucos transcender sua animalidade, aparentemente sem notar que não há absolutamente nada a transcender. Há apenas o que se é e o que se pensa ser. E minha sombra tem se tornado mais forte, mais presente, conforme silencio a busca por transcendência e dou um passo atrás para entender essa sombra. Para entender o que sou.

Não é confortável ser cada vez mais consciente de tanta sombra, mas quando ouço que crianças são assassinadas por alguém carregando uma carta onde pede perdão a Deus e faz exigências quanto à pureza das mãos que tocarão o seu corpo após a sua morte, acho que tem valido a pena esse passo atrás. Vale a pena olharmos menos para fora e para o alto, e um pouco mais para baixo e para dentro.

terça-feira, 5 de abril de 2011

|::| Sobre tempos, comemorações e conexões

Semana passada foi meu aniversário, sabem? Aquela data em que alguns insistem em me tratar diferente, embora eu não entendesse bem o porquê. Afinal, para mim, a princípio, meu aniversário significava apenas o resultado direto do fato de que existe um ciclo de tempo a que chamamos "ano" e que se repete, por incrível que pareça, anualmente.

O interessante do tempo e dos efeitos de sua passagem sobre nossa percepção das coisas, é que eu tenho visto que há certo valor nas comemorações de datas, embora enquanto cientista social já estivesse mais do que claro na minha mente o papel dos ritos e das comemorações. Sim, tenho mudado de opinião e, neste ano, os abraços de pessoas estranhas e as mensagens que me enviaram nem me incomodaram. Na verdade, cheguei à conclusão de que para o próximo ano, quero muitas festas, presentes e pessoas me bajulando. Quererei pessoas dizendo que a minha participação no mundo é, de alguma forma, impactante.

O aniversário passou, me deparei com a realidade de que definitivamente estou na fase dos vinte e muitos anos e notei que minhas preocupações têm se alterado. Acredito que como reflexo do momento de vida, de uma certa estabilização em alguns aspectos, passo a sentir uma necessidade crescente de me transbordar para fora do meu pequeno mundo. Talvez meus 28 anos já sejam suficientes para que eu me arrisque a opinar mais... Afinal, venho reparando em tanta coisa que considero absurda acontecendo ao meu redor... Tem até deputado se referindo negativamente a parcelas grandes da população. E vejo que há pouca gente pensando sobre o quanto esse tipo de coisa impacta a nossa sociedade.

Enxergamos muito pouco a extensão dos efeitos que cada ação individual possui. Aprendemos a buscar nossos interesses pessoais, a escolher o que o "eu" quer comer, vestir, falar, experimentar, e nesse processo muito cheio de umbigocentrismo, aparentemente estamos menos ligados aos efeitos em massa dos comportamentos individuais.

Tenho estado particularmente chateado com a falta de sensibilidade e de uso da inteligência de algumas pessoas que possuem certa evidência social. Acredito que a inteligência é um recurso mental do qual todos somos dotados, mas aparentemente o uso que fazemos dele depende dos interesses de cada um.

Existe tanta diversidade no que diz respeito a comportamentos, pensamentos e estilo de vida, que fica muito difícil definir o que é um estilo de vida "humano". Mesmo se olharmos para um grupo pequeno, uma família, ou amigos, ainda assim encontraremos várias diferenças e particularidades. Embora haja grupos que compartilhem de fundamentos comuns, a forma como cada um se apropria dos elementos culturais e os frutos dessa absorção individualizada da cultura gera tantos estilos de vida possíveis quanto há pessoas no mundo. Mas, mesmo assim, há aqueles que insistem em agrupar as pessoas e condenar grupos inteiros devido ao seu "estilo de vida".

Bom, vamos usar um pouco a cabeça e pensar, a título de exemplificação. Na África há uma parcela grande da população infectada pelo vírus do HIV. Bom, então, se alguém não quiser ser HIV positivo, deve evitar ter um "estilo de vida africano"? Quando Durkheim escreveu o livro "o suicídio", ele constatou que a taxa de suicídios entre protestantes é a maior entre as religiões. Então, como uma das medidas para redução do suicídio devemos evitar o "estilo de vida protestante"? Não sei para vocês, mas para mim faz sentido que o estupro de mulheres é feito, geralmente..., por homens de orientação heterossexual. Isso quer dizer que o "estilo de vida heterossexual" leva ao estupro?

Depois desse exercício, vamos voltar ao tema do começo. Voltar ao fato de que estamos muito pouco atentos ao efeito que cada um tem sobre o todo. Considerando isso, qual o efeito que eu produzo cada vez que eu aceito, repasso e compactuo com declarações e dizeres completamente infundados, não pensados e irracionais como os citados acima? A todo instante há pessoas dizendo que os pobres são inferiores, ou que os negros são inferiores, ou que as mulheres são inferiores, ou que os evangélicos são inferiores, ou que os gays são inferiores, ou que os idosos são inferiores. E crueldades persistem porque há gente propagando falsos entendimentos do que é a vida humana. Há muita gente querendo fazer calar a voz rica e bonita da diversidade. Seria melhor se soubéssemos nos calar quando o que temos a dizer é uma completa babaquice.


sexta-feira, 25 de março de 2011

|::| Sobre as tantas crueldades possíveis

Eu considero inocente dizer que precisamos acabar com o preconceito e a intolerância, pois acredito que estes façam parte da forma como a nossa mente funciona. Mas, considero, no mínimo, uma baita preguiça deixarmos que eles se manifestem livremente, como se fossem intocáveis à razão, à reflexão e ao julgamento. Se não houvéssemos minimamente aprendido a contornar algumas de nossas emoções lá no passado longínquo, a vida em sociedade não existiria.

A História está repleta de eventos que deveriam nos tornar mais sensíveis à possibilidade de que inevitavelmente nós nos enganamos a respeito dos nossos julgamentos. E, frequentemente, esses enganos fazem com que um número grande de pessoas pague um alto preço. Já se pensou que as mulheres fossem inferiores (sim, e nem faz muito tempo, acreditam?) Já disseram que os índios não possuem alma e, portanto, poderiam ser escravizados ou mortos, sem qualquer problema. Já disseram até que a cor da pele determina se alguém é melhor ou pior, mais ou menos capaz e inteligente. E, repito, nem faz muito tempo que essas coisas eram tomadas como completas verdades. Ainda hoje encontramos resquícios dessas crenças. Ainda hoje encontramos crueldades herdadas por causa de julgamentos pouco refletidos, pouco pensados.

A pergunta é: quanto nós realmente temos refletido sobre nossas posições a respeito da vida humana?

Aparentemente, ainda pouco. Quando vejo uma notícia de que um deputado federal recebeu ameaças de morte por defender leis que procuram garantir alguns direitos a uma parcela significativa da sociedade, realmente vejo que há muito a ser aprendido por todos nós.

A respeito da notícia sobre o deputado Jean Wyllys e sua luta pelos direitos de homossexuais e transgêneros, o que me parece ainda mais preocupante, é que as ameças que ele recebeu possuem um forte teor "religioso". Não precisamos ser grandes conhecedores da História para sabermos que dentre todos os preconceitos pouco pensados, alguns dos mais cruéis são os que se escondem sob uma obviamente equivocada interpretação do que vem a ser "a vontade de Deus". Quantas pessoas já foram mortas e perseguidas em nome de algum deus? Aprendemos nada com tudo o que já aconteceu no mundo? Inquisição, ditaduras, nazismo... realmente não aprendemos nada?

"Em nome de Deus você merece morrer" foi uma das ameaças recebidas pelo deputado, vindas de pessoas que se declaram "evangélicas". Daí eu me pergunto: se a base da mensagem evangélica é o amor, que amor é esse que está movendo a vida dessas pessoas que se dão o direito de declarar quem deve ou não morrer? E pior, fazendo isso em nome de Deus?

Ainda há muito a avançarmos quanto a várias questões. E as mais complicadas são as que se misturam a crenças e valores descuidados e pouco pensados. Cada um de nós é responsável por este mundo, embora seja muito mais fácil entregá-lo aos políticos, aos líderes religiosos ou aos deuses que cultuamos. Afinal, nós não queremos nos comprometer. Não queremos assumir responsabilidades, certo?

Fingimos que nada disso nos diz respeito para depois podermos sentar, com a consciência "limpa", com nossos amigos e familiares e reclamarmos do mundo e de como as coisas vão mal por aqui....

Ah, e a culpa, é claro, nunca é nossa.

quarta-feira, 23 de março de 2011

|::| Por onde anda Kelson Fernandes?

Algum tempo atrás, verifiquei pelo Google Analytics, que algumas pessoas haviam descoberto este meu humilde projeto de blog através do sistema de busca do Google. Fiquei intrigado, curioso quanto às palavras que eram inseridas na pesquisa. Descobri, para infelicidade do meu ego que estava quase se inflando, que muitos chegavam aqui simplesmente por digitarem "lagartixa" no Google. Ou seja, graças à Tíxia (quem não a conheceu, clique aqui e aqui) o meu blog recebeu algumas visitas extras...

Mas o mais interessante é que algumas pessoas realmente chegavam ao blog procurando por "Kelson Fernandes". O que mais me intrigou foi que alguns escreveram "por onde anda Kelson Fernandes?" no Google.

É um pouco perturbador imaginar que há pessoas que não conheço que estão curiosas por saber por onde eu ando. Na verdade, nem sei se elas realmente estavam me procurando, já que poderiam estar em busca de qualquer outro "Kelson Fernandes". Mas o fato é: pessoas comentam e ficam curiosas por saber da vida de outras pessoas. Para mim, esse fato não é novidade, mas nem por isso eu deixo de me intrigar cada vez que alguém comenta a minha.

Como a maioria de vocês sabe, durante cerca de 8 anos cantei num grupo musical de uma igreja Cristã, e se procurarem por mim, vão me encontrar no youtube. Nesses anos, fiz vários amigos que me acompanham pessoalmente ou virtualmente até hoje (aliás, muitos acompanham este blog e eu agradeço o carinho). Há diversas e variadas razões pelas quais me desliguei do grupo, e uma das principais é, para a decepção dos caçadores de fofocas, muito simples: quando retornei ao grupo em 2004, planejei que ficaria apenas mais 3 anos.. Acabei ficando 5 anos. Depois disso, meu plano era me dedicar a outras atividades. E foi assim. O grupo exigia dedicação e compromisso, e como em relação a todos os compromissos que assumo, para mim não faria sentido estar em algo sem me dedicar completamente. Sabendo que não conseguiria dedicar sempre o mesmo tempo que eu vinha dedicando, escolhi sair e abrir espaço para que outras pessoas participassem.

Foi uma época excelente, mas que passou. Ainda recebo muitos convites nas redes sociais para ingressar na lista de amigos de pessoas que me conhecem do grupo. Mais cedo ou mais tarde, acabo aceitando, mas um pouco incomodado com o fato de que muitos chegam com expectativas irreais a meu respeito.

Neste blog, exponho muito do que eu penso e de quem eu sou. Muitas das minhas opiniões são polêmicas em alguns grupos. Desde o que penso a respeito do que é música religiosa e quais os limites (ou a ausência deles) entre o que o religioso e o profano, até posições relativas à política, aos direitos homossexuais, às cotas em universidades, etc. Quem tem estado perto de mim ao longo dos anos, sabe que sempre questionei algumas coisas. Entretanto, talvez por eu ser um grande defensor da diplomacia, do respeito e da paz, acabo expondo minhas opiniões de uma forma aparentemente não tão firme.

Anos atrás, eu cheguei a participar de discussões infinitas sobre questões polêmicas. Com o tempo, percebi que a melhor forma de demonstrar o sentido de minhas idéias é vivendo de acordo com elas e deixando que as pessoas que me cercam tirem suas próprias conclusões. Acredito que esteja funcionando bem e posso me considerar uma pessoa bastante abençoada por estar cercado de amigos muito especiais, que são o fundamento para que eu dê novos passos rumo aos planos e sonhos que vou construindo ao longo do tempo.

E um desses planos, é expor de forma mais clara, e talvez até um pouco combativa, algumas das coisas em que acredito. Algumas das minhas opiniões. Opiniões que foram formadas ao longo de toda a minha vida e que são significativas para mim.

Espero que curtam a nova fase deste blog =D

Para concluir, preciso contar essa para vocês, porque foi a melhor de todas as fofocas sobre mim.... Ouvi dizer que eu, o Kelson, parei de cantar porque me tornei alcoólatra e vivo nas ruas, dormindo nas sarjetas. Isso me faz pensar: "poxa, trabalho um monte, pago uma quantia considerável pra viver aqui no meu lar, doce lar, e as pessoas acham que eu durmo em qualquer calçada por aí?!".

Não sei por onde anda o "Kelson Fernandes", mas eu costumo andar pelas calçadas e atravessar as ruas pela faixa de pedestres. Afinal, a minha vida é muito valiosa para mim.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

|::| Os limites da busca por saber

Não sei em que momento uma certa vontade de saber passou a fazer parte do conjunto de características que compõem quem que eu tenho sido. Talvez, para mim, perceber que com frequência respostas simples eram pouco efetivas em me deixar satisfeito, tenha me causado o incômodo que me levou a procurar por respostas significativas. Passei pelas perguntas do tipo "o quê?", para as perguntas "como?" e cheguei também àquelas mais complexas como as do tipo "por quê?" ou até "para quê?", sempre motivado pela crença, tão enraizada na cultura em que minha personalidade foi construída, de que saber mais é bom e quanto mais, melhor.

Desde as perguntas que me levaram a dar nome às coisas e até descrevê-las, até as perguntas que levariam a uma compreensão mais ampla dos sentidos e propósitos, sempre estive diluindo o meu tempo na análise das tantas respostas possíveis. Vejo, não há muito tempo, que para um grupo grande de perguntas há quase tantas respostas possíveis quanto há pessoas no mundo. Não que eu devesse esperar algo de diferente, afinal, não é de hoje que sei que nada mais natural do que haver tantas respostas, dado que são resultado dos conjuntos absolutamente individuais de percepções, experiências e aprendizados dos seres humanos. E nem preciso ser um antropólogo para saber que cada conjunto único de experiências produz um ser humano único. Único em percepções, em redes de conexões de significado, em julgamentos, em experiências e, por que não, em respostas.

O que nos confunde e atormenta é conviver com essas tantas respostas possíveis. E mais que isso, vivermos cercados por comportamentos forjados no interior de agrupamentos de respostas diferentes das nossas. Quantas vezes nos pegamos surpresos e incomodados com atitudes tão estranhas, tão incômodas e até respulsivas - todas resultantes de visões de mundo muito diferentes das nossas?

Mas é interessante notarmos que no meio de tanta diferença há também tanta coisa em comum. Nossas buscas por sentido, as perguntas que fazemos e as respostas que escolhemos ter podem ser muito diferentes, mas todos somos marcados por uma certa fragilidade emocional, mais evidente em alguns de nós do que em outros, que nos torna, de certa forma, muito amáveis. E olhando para os seres humanos e todas as suas inconstâncias, e egoísmos, e virtudes, e fraquezas, e para aquilo tudo que está entre o bom e o ruim, percebo que somos todos tão cúmplices dessa nossa existência. Fica um pouco difícil não enxergar o ódio, o ressentimento, o egoísmo e os preconceitos como o resultado das inúmeras ilusões sob as quais nos escondemos.

Nós nos escondemos das verdades mais reveladoras e agimos como se estivéssemos isolados do universo, sozinhos. Como se o fato de sermos, cada um de nós, seres únicos, condenasse todos os humanos à solidão e ao estranhamento. Escondemo-nos das verdades mais reveladoras frequentemente buscando saber de tantas coisas que nem precisaríamos saber.

Após tanto procurar respostas e tanto acreditar que saber mais é sempre melhor do que saber menos, tenho desconfiado de que caminho para a crença de que, pelo menos para mim, faz mais sentido saber julgar que verdades e que conhecimentos são mais importantes para que meu equilíbrio e a minha saúde emocional sejam mantidos. Chego à conclusão paradoxal de que embora a busca por saber esteja na base de quem eu sou, não quero saber tudo agora. Quanto mais vivo e mais reconheço a fragilidade da minha consciência, mais percebo que algumas poucas verdades são bastante suficientes, e que muito do que quero saber decorre de uma curiosidade infantil, pouco produtiva, pouco segura.

Talvez, a sabedoria que tanto perseguimos vem de sabermos articular o conhecimento das coisas com o conhecimento de nós mesmos para podermos julgar bem com que verdades estamos prontos para lidar. Para sabermos julgar quais são os limites para o nosso conhecimento.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

|::| Algo assim

Olho para fora e vejo que todos estão ocupados procurando não parar. Evitando o silêncio porque sabem que ele traz a percepção de que caminham meio que ao léu, sem sentido, sem propósito, sem motivos. Há também quem dedica a vida à busca por sentido, ou vasculhando as bibliotecas e lotando os templos e igrejas, ou procurando experimentar tudo o que excita os sentidos e altera a mente. Todos, sem exceção, conscientes ou não, procuram algo que os faça sentir que, afinal de contas, viver não é qualquer coisa. Mas e se for?

Ser qualquer coisa não é pouca coisa, não, ainda mais quando estamos nos referindo à vida. Ela que é tão complexa, cheia de mistérios, de encantamentos, de reviravoltas e surpresas. Talvez nosso grande desafio seja nos darmos conta de toda essa falta de propósito e permanecermos sãos o suficiente para construirmos algum enquanto driblamos o medo e todas as falsas percepções que ele implanta em nossa mente. Mente, aliás, muito mais frágil e dominada por emoções instáveis do que estamos prontos para assumir.

É, posso dizer que até onde a minha compreensão vai neste ponto da minha vida, enxergo a busca por sentido, o medo e a instabilidade. Seria desolador se eu não percebesse também que a estranha combinação disso tudo gera algo de interessante, algo de bom. Algo de convidativo.

E essa é a vida, da forma como eu a percebo agora: um convite. Um convite a mais vida. Um convite a continuar nessa oscilação maluca entre fragilidades, entre surpresas e mistérios. E me sinto até um pouco bobo de falar de algo tão grandioso.

domingo, 9 de janeiro de 2011

|::| Das mudanças

Ano recém iniciado. Tantas resoluções e decisões para o novo ano, certo? A virada é como que um marco, um ritual esperado, através do qual você acredita que sua mentalidade será tão radicalmente transformada ao ponto de gerar em você um novo comportamento no momento em que os ponteiros transitarem das 23:59 para as 00:00 do dia primeiro, como uma espécie de mágica.

Essa história, que se repete anualmente, é bastante irônica, talvez por ser triste e engraçada ao mesmo tempo. Triste porque as resoluções feitas se provam completamente impraticáveis logo que o ano se inicia. E engraçada porque um ano depois você volta a acreditar. Volta a acreditar que mudanças acontecem num passe de mágica. Volta a acreditar que é mais forte e resoluto do que você realmente é. Volta a acreditar que é possível acreditar...

Todos têm seus sonhos e esperanças para o novo ano. Tenho os meus também. Alguns eu manterei só para mim, outros dizem respeito a este blog.. Quero conseguir postar mais. Mesmo já tendo me prometido isso muitas vezes, considerando que desde o ano de 2000 mantenho um site pessoal na internet com o objetivo de compartilhar meus textos, continuo acreditando. De qualquer forma, algumas mudanças já aconteceram. E tenho algumas novidades:

A primeira delas, é que estou migrando o blog para um novo endereço:http://semeusouvidosfalassem.blogspot.com Como verão, além de um novo endereço, o blog também está com uma cara nova. Não muito nova, eu confesso, mas sofreu algumas plásticas e recebeu alguma maquiagem... Acho que ele andava meio pálido nos últimos tempos.

A segunda novidade é que agora o blog tem uma página no Facebook (por favor, curtam!!!). O objetivo é criar uma certa dinâmica entre as pessoas que têm acompanhado o blog. Nem sempre (na verdade, quase nunca) consigo responder aos comentários que são feitos no blog. Espero que através da página no facebook eu consiga interagir mais.

A terceira novidade... e ela tem tudo a ver com a criação da página no Facebook, é que após alguns anos, tenho a suspeita de que estou voltando a querer opinar. Passei muito tempo quieto, falando só do meu "mundo interior", sem expor muito as minhas opiniões por estar bastante cético a respeito da utilidade delas. Por isso, a página no Facebook será muito interessante para debatermos algumas idéias.

Basicamente, por enquanto, é isso. Espero que curtam essa nova fase do blog!

=D