quinta-feira, 7 de abril de 2011

|::| Da minha sombra

Olho para as minhas mãos, ainda molhadas. A torneira continua aberta, e o som da água descendo pelo ralo da pia completa a sensação de que minhas mãos, agora sim, estão limpas. Seco as minhas mãos e só então fecho a torneira, interrompendo o fluxo de água. Olho para a frente, para o espelho, e assustadoramente me encanto por me achar tão estranho. Tem momentos em que me acho muito estranho, muito outra pessoa.

Essa sombra que me acompanha e que me é tão nítida, quase palpável em alguns momentos, não raramente confunde a minha mente. Ela brinca comigo e me diz coisas sobre as quais eu nunca pensei. Implanta dúvidas e intrigas. Durante as noites, infla meus medos e diverte-se com minhas inseguranças. Ela ri de mim. Ela caçoa da minha fraqueza.

O que mais me intriga é que também é ela que me traz essa sensação forte de que sou nada mais, nada menos, do que um ser humano. Sou um animal, parte de um bando de animais que tenta aos poucos transcender sua animalidade, aparentemente sem notar que não há absolutamente nada a transcender. Há apenas o que se é e o que se pensa ser. E minha sombra tem se tornado mais forte, mais presente, conforme silencio a busca por transcendência e dou um passo atrás para entender essa sombra. Para entender o que sou.

Não é confortável ser cada vez mais consciente de tanta sombra, mas quando ouço que crianças são assassinadas por alguém carregando uma carta onde pede perdão a Deus e faz exigências quanto à pureza das mãos que tocarão o seu corpo após a sua morte, acho que tem valido a pena esse passo atrás. Vale a pena olharmos menos para fora e para o alto, e um pouco mais para baixo e para dentro.

Um comentário:

  1. Gosto desse estranhamento. Acho curioso como isso acontece com a gente. Pelo menos comigo é constante.

    Bom, penso que o ser humano pode ser muito mais do que se costuma ser. Somos uma construção, uma idéia, um protótipo de um "eu". Uma capa. Talvez seja por essa razão que eu acredito que sim, ainda há o que transcender para descobrirmos o que está além disso. Mas aí a gente vê esses casos como do atirador e se pergunta se realmente não é melhor ser mais "pé no chão".

    obs. Este post tem o ritmo e a essência da dança "Butoh", a qual acho bastante interessante.
    :)

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