sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

|::| Daquilo que não somos

Há poucos dias do encerramento de mais um ano essa nossa invenção para empacotar as nossas experiências  tento colocar alguma ordem nos pensamentos que estão povoando a minha mente nos últimos dias. Tenho sentido uma vontade forte de reformular algumas crenças que já me definiram em anos anteriores. Uma delas é a de que a passagem do tempo estaria me conduzindo a ser aquilo que sou, como se meu ego estivesse sendo refinado, ou talvez transmutado em algo que já era em essência. Mas estou chegando ao fim deste ano com a sensação de que o tempo tem me levado a outra direção. Ou, talvez, a uma percepção mais clara do que seja essa tal "essência". 

Geralmente, quando eu pensava sobre a "essência", eu estava tentando compreender aquilo que é mais nuclear, individual e único. Acho interessante que eu esteja me sentindo cada vez mais distante dessa compreensão. O que me parece é que quanto mais tento me aproximar dessa essência mais me aproximo da percepção de uma ampla e poderosa conexão entre tudo o que existe. Vejo cada vez menos aquilo o que sou e mais aquilo o que os outros são em mim. Sendo assim, hoje eu definiria a minha individualidade como uma configuração aparentemente única de um amontado de contribuições que chegam a mim ininterruptamente. 

A percepção de que sou muito pouco (talvez nada) "eu" e muito "outros" é bastante impactante. Sou levado a ver que nenhuma conquista e nenhum mérito são realmente meus. E se sou um amontoado das contribuições dos outros, sou também inevitavelmente um amontoado de gratidões. Tenho, talvez, alguma responsabilidade em como configuro os outros em minha manifestação, mas não sei dizer com certeza se até mesmo essa configuração é feita por mim ou através de mim. 

Nesse fim de ano, o que eu tenho a dizer é que sou muito pouco eu e que estou em paz reconhecendo isso. Eu me sinto feliz em dizer que sou muito grato por tudo e por todos que se acumulam em mim, tornando a minha experiência tão imprevisível e multifacetada. 

E, por isso, e por tanto, eu posso resumir o que sinto desejo de dizer nesse fim de ano a um "muito obrigado".

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

|::| Dos Tempos e Ventos

"Uma vergonha, seu último post no blog foi 1 ano e 1 mês atrás", disse minha amiga Elen Abe, via whatsapp, hoje, no fim da tarde. E com bastante convicção e sinceridade, só consegui responder que "pois é, tô sem vontade de escrever, acho tudo bobagem e sinto que qualquer coisa que eu diga sempre será uma bobagem desnecessária". Mais algumas mensagens foram trocadas antes que eu decidisse que era válido repetir isso aqui. Acho que a pessoa que eu tenho me tornado com a passagem do tempo encontra cada vez menos valor em qualquer coisa que eu possa vir a escrever. Sentimento esse que já tinha passado rapidamente por mim no passado, mas que de um ano para cá chegou como aquela visita não convidada que antes mesmo de um "oi", entra em sua casa com um par de malas e pede um teto por tempo indeterminado.

Falo por mim. O tempo relativiza o discurso, o pensamento, a voz. O tempo faz erodir as nossas mais firmes opiniões e torna transparentes as cores fortes das convicções que uma vez já deram rótulo à nossa existência. A experiência traz uma percepção de que o aprendizado é sempre um desaprender. O desenvolvimento é um "des-envolver-se" de algo. E as construções às quais dedicamos tanto do nosso tempo vão se revelando feitas de ar e, como ar, são apenas percebidas em seu movimento, em sua passagem por nós. 

Talvez a saída para a minha resistência a escrever seja aceitar que meus textos sejam apenas as janelas que, quando abertas, permitem a passagem do vento. Quem sabe este seja um recomeço a partir de um outro patamar de auto-desconstrução.

(Ah, e acabei de lembrar que nesse período criei o "Miojo Filosófico", para dar vazão às pequenas desconstruções do cotidiano, então até que não fiquei tanto tempo sem escrever).