Eu sempre disse que usar o transporte público é uma experiência antropológica riquíssima, mas hoje irei um pouco além e direi que usar o transporte público é uma experiência transcendental, um pré-requisito para a iluminação e uma etapa crucial para o entendimento de tudo o que há e mais um pouco. Alcancei essa compreensão enquanto eu me misturava ao TODO nesta manhã.
Acordei feliz, ao som de passarinhos cantando e as folhas das árvores balançando lá fora, movidas por uma brisa suave que carregava aromas restauradores da natureza. (Aham, senta lá, Cláudia). Na verdade, acordei ao som de sirenes de ambulância e buzinas, sentindo meu nariz coçar devido ao ar poluído de São Paulo. Saí de casa e me dirigi à estação de metrô mais próxima.
Cheguei à plataforma e, como de costume, a aglomeração estava grande. Após vários minutos parado no meio da multidão, sentindo-me parte de algo mais, algo maior, fenômeno tão bem explicado por Durkheim, fui sendo pouco a pouco levado para mais perto de conseguir entrar no vagão. Até que finalmente fui introduzido no metrô, carregado pela massa. Não que eu não quisesse entrar no vagão, e na verdade, esse era o meu objetivo, é claro, mas fazê-lo de forma tão... suave, fez com que a minha felicidade se intensificasse sobremaneira. A sensação de ser levado, como que flutuando, seria excelente caso não fosse acompanhada de forte sufoco, provocado não apenas pelo aperto, mas por aqueles inúmeros odores tão interessantes da manhã.
E sempre tem alguém mais..., como posso dizer..., comunicativo, que gosta de interagir e que cria diálogos inesquecíveis por sua objetividade simpática, abordando as pessoas à sua volta:
- Amigo, sabe aquele arroz que você comeu ontem no jantar, bem refogado, carregado de alho e cebola?
- Sei.
- Gostoso, né?
- Sim. Muito.
- Então, fica ainda mais gostoso se agora você fechar os olhos, pensar no arroz e segurar a sua respiração!
- Senhora, posso fazer uma pergunta?
- Sim, meu filho.
- Que perfume é esse que está usando?
- Ah, nenhum. Só o desodorante mesmo.
- Percebi.
- Que era meu desodorante?
- Sim, percebi tão bem que até detectei a data de validade dele.
- Ahn?
- Sabia que desodorantes vencem?
Os odores seriam os protagonistas do espetacular ato de usar o transporte público, caso não houvesse algo muito superior: a comprovação de que – pasmem! – SIM, é possível dois corpos ocuparem o mesmo espaço! Incrível, né? Séculos de mentes brilhantes debruçadas sobre os mistérios da física e em instantes todas as suas teorias são jogadas por terra...
O interessante é que em meio a tudo isso, descobri que posso atingir estágios superiores de percepção da realidade. Tudo é, mesmo, uma questão de perspectiva. Posso fechar os olhos ver que estou numa balada, gastando apenas poucos reais. Posso ser uma estrela do rock, recebendo o carinho de centenas de fãs enlouquecidos tentando me abraçar. Posso ser cobaia de uma experiência científica altamente avançada que fará com que o conhecimento e as capacidades de todas aquelas pessoas passem para mim.
E enquanto distorço a realidade, chego ao meu destino, saio do trem, e me dirijo ao prédio em que trabalho, preparado para pegar um elevador. Lotado!
"Seria cômico se nao fosse trágico". Agora imagine dentro de um ônibus, com suas curvas e freadas. ops !!
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